Leonardo Matos
09 de Agosto de 2012
Temos observado nos últimos tempos muitos textos tratando sobre o julgamento do famigerado “mensãlão”, iniciado no começo deste mês pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A maioria dos artigos está focada principalmente nos aspectos morais envolvidos nessa questão. Muito se fala na luta contra a corrupção e em utilizar este julgamento como exemplo e marco na história do Brasil. |
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Nada mais justo, positivo e necessário, tendo em vista que, como eu mesmo já citei em outros textos, ver um ex-ministro da Justiça defendendo criminosos, corruptores e contraventores de toda espécie é uma afronta aos mais básicos valores de justiça que, um dia, este homem representou. Mas, deixo aqui os tratados sobre a corrupção e a moralidade para aqueles que já o escreveram com tanta propriedade desde que tiveram início os trabalhos no STF.
Quero tratar o assunto sob outra ótica. Pretendo demonstrar como essa democracia burguesa liberal, do sufrágio universal, geral situações de tão pouca representatividade democrática verdadeira. No atual sistema, situações como a do “mensalão” tornam-se quase necessárias para que haja algum nível de governabilidade em um país fragmentado em partidos.
De uma maneira simplória, podemos definir o “mensalão” como uma manobra do auto-denominado “Partido dos Trabalhadores” para garantir ao então Presidente da República, o Sr. Luiz Inácio Lula da Silva, um nível mínimo de governabilidade para a condução da nação, comprando através de depósitos mensais, o apoio dos partidos de maior representatividade no Congresso Nacional.
AAo interpretar esse quadro sob uma ótica integralista, concluímos algo que já era apontado desde a década de 1930 por Plínio Salgado e pelos demais intelectuais integralistas: os partidos são instituições falidas, que não cumprem a função de representar o povo dentro do parlamento. No próprio Manifesto de Outubro de 1932 pode-se ler a respeito dos partidos:
“(...)Civis e militares giram em torno de pessoas, por falta de nitidez de programas. Todos os seus programas são os mesmos e esses homens estão separados por motivos de interesses pessoais e de grupos. Por isso, uns tramam contra os outros(...)” [1] |
Hoje, mais do que nunca, não podemos mais definir com clareza o lineamento doutrinário dos partidos políticos (vide a aliança entre Haddad e Maluf, que já foi objeto de comentário deste autor em outro texto) e, consequentemente, não conseguimos mais identificar a quem os partidos estão representando no Congresso Nacional (na verdade, acabamos por entender que eles representam apenas interesses próprios de seus membros).
Existem muitos autores, mesmo não integralistas, que já escreveram sobre a falência da instituição partidária, ao menos da forma que está organizada atualmente, como ferramenta de representação dos interesses da população. Bernard Manin, cientista político francês, descreveu da seguinte maneira esse quadro de falência dos partidos como ferramentas de representação do eleitorado:
“(...)Hoje, porém, o eleitorado tende a votar de modo diferente de uma eleição para a outra, e as pesquisas de opinião revelam que tem aumentado o número dos eleitores que não se identificam com partido algum. Até pouco tempo atrás, as diferenças entre os partidos pareciam um reflexo das clivagens sociais. Mas hoje tem-se a impressão que são os partidos que impõem à sociedade clivagens, cujo caráter "artificial" é lastimado por alguns observadores. No passado, os partidos propunham aos eleitores um programa político que se comprometiam a cumprir, caso chegassem ao poder. Hoje, a estratégia eleitoral dos candidatos e dos partidos repousa, em vez disso, na construção de imagens vagas que projetam a personalidade dos líderes. As preferências dos cidadãos acerca de questões políticas expressam-se cada vez mais freqüentemente por intermédio das pesquisas de opinião e das organizações que visam fomentar um objetivo particular, mas não têm a intenção de se tornar governo. A eleição de representantes já não parece um meio pelo qual os cidadãos indicam as políticas que desejam ver executadas. Por último, a arena política vem sendo progressivamente dominada por fatores técnicos que os cidadãos não dominam. Os políticos chegam ao poder por causa de suas aptidões e de sua experiência no uso dos meios de comunicação de massa, não porque estejam próximos ou se assemelhem aos seus eleitores. O abismo entre o governo e a sociedade, entre representantes e representados, parece estar aumentando.” [2] |
Assim, diante dessa perda de função dos partidos políticos, que perderam a confiança das pessoas, os partidos perderam qualquer vínculo doutrinário e qualquer compromisso de representação com qualquer classe ou grupo natural da sociedade. Essas instituições tornam-se clubes particulares que representam apenas seus próprios membros.
Sem ideais, sem compromisso de representação, o apoio ou a oposição às medidas tomadas pelo governante da nação deixam de ser uma questão de exercício democrático de convicções, mas simplesmente uma ferramenta de troca de vantagens, de cargos ou, como no caso do “mensalão”, de compensação financeira.
Toda e qualquer democracia deve conter em si as ferramentas para que as pessoas sejam efetivamente representadas no parlamento. Todos os grupos naturais que integram a sociedade devem ter representantes que façam valer suas necessidades e suas opiniões dentro de um parlamento democrático. O apoio ou a oposição às medidas que um governo adota devem ser algo intimamente ligado às necessidades dos grupos sociais, e não objeto de negociata. Infelizmente, na democracia burguesa liberal em que estamos inseridos, a própria estrutura do sistema impede que esse quadro ideal se torne realidade.
Por outro lado, a democracia proposta pelo integralismo, estruturada em bases orgânicas, com a representação firmada sobre pilares sólidos, que são os órgãos de representação das classes profissionais e de grupos naturais da sociedade, seria um fator decisivo para transformar o Congresso Nacional em uma instituição que efetivamente representasse os interesses e necessidades das forças vivas da nação. Descreve assim o manifesto integralista:
“(...)a Nação precisa de organizar-se em classes profissionais. Cada brasileiro se inscreverá na sua classe. Essas classes elegem, cada uma de per si, seus representantes nas Câmaras Municipais, nos Congressos Provinciais e nos Congressos Gerais. Os eleitos para as Câmaras Municipais elegem o seu presidente e o prefeito. Os eleitos para os congressos Provinciais elegem o governador da Província. Os eleitos para os Congressos Nacionais elegem o Chefe da Nação, perante o qual respondem os ministros de sua livre escolha(...)” [3] |
Com os congressistas vinculados aos interesses e anseios das classes e grupos a que estão ligados e não ligados a interesses de partidos vazios e sem ideais, o parlamento não mais seria um local onde o apoio político poderia ser comprado, mas onde esse apoio deveria ser conquistado a medida que um governo adotasse medidas em prol dos grupos naturais que são a base da nação.
Não somos materialistas e, portanto, sabemos que uma mudança meramente material na estrutura da democracia brasileira não seria, por si só, suficiente para resolver os problemas que afligem nossa nação. Como espiritualistas, acreditamos que o espírito humano é anterior a matéria e que qualquer mudança real e duradoura deve ser feita primeiro nas consciências humanas, o que projetará a mudança no campo material. No entanto, em paralelo com a revolução interior, uma reconstrução radical na estrutura do processo de representação no Brasil, seria de grande valia para a reconstrução da nação.
[1] Ação Integralista Brasileira. Manifesto de Outubro de 1932. Cap. VI.
[2] MANIN, Bernard. As Metamorfoses do Governo Representativo. Revista Brasileira de Ciências Sociais. Vol. 29. p.1. Disponível em: http://www.anpocs.org.br/portal/publicacoes/ rbcs_00_29/rbcs29_01.htm.
[3] Ação Integralista Brasileira. Manifesto de Outubro de 1932. Cap. II.
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Leandro Claudir